Glória Arieira

por FELIPE DE OLIVEIRA NASCIMENTO

Se você já buscou agloria-pnglgum tipo de conhecimento espiritual, deve ter ouvido frases como: “você é a felicidade, você é o Todo, o Todo é amor puro, tudo no universo é uma coisa só”, etc, etc. Mas quem de fato entende essas afirmações, internaliza esses conceitos e vive de acordo com eles? Acontece que conhecer a essência do sujeito, a natureza do divino, não é algo tão simples assim. Os meios mais acessíveis de conhecimento, entre ciência, filosofia e religiões, esbarram na limitação dos próprios métodos de investigação do mundo. Entretanto, há quem possua a sorte, ou a benção, de encontrar um apropriado meio de autoconhecimento e a disposição de trilhá-lo profundamente. Este meio de conhecimento é chamado de Vedanta e foi o caminho pelo qual Glória Arieira encontrou respostas às suas questões. E, para nossa sorte, ela passou de discípula a mestre e hoje dedica sua vida ao ensino dessa disciplina.

Glória Arieira é carioca e nasceu em 1953. Ela conheceu vedanta assistindo uma palestra do Swami Chinmayananda no Rio de Janeiro e fez um curso de quatro anos com Swammi Dayananda na Índia. Voltando ao Brasil, no fim dos anos 70, começou a dar aulas e em 84 fundou o instituto Vidya Mandir, voltado ao ensino de Vedanta e disciplinas correlatas, como meditação, sânscrito e cultura védica. Desde então, Glória é a principal referência brasileira no ensino de Vedanta, dedicando-se por mais de três décadas a seus alunos, traduzindo diversos textos do sânscrito para o português e formando novas gerações de professores.

O Voo Subterrâneo se encontrou com Glória Arieira no Vidya Mandir, em Copacabana, Rio de Janeiro, para uma conversa sobre sua trajetória de vida e sobre questões espiritualistas e de Vedanta. Você pode ouvir, aqui, o áudio completo, e abaixo a entrevista editada.

DESCOBRINDO VEDANTA

Em entrevistas suas, você fala que o vedanta começou em sua vida com uma palestra com o Swami Chinmayananda. Quando você viu a palestra dele, quais as coisas que ele falou que te pegou mais, que você viu como um diferencial em relação aos caminhos espirituais que você já tinha ido antes?
Quando escutei o Swami Chinmayananda, aqui na Brasil, ele estava falando sobre o fato de que todas as coisas que são criadas têm que ter uma causa. O universo tem que ter uma causa. Mas ao contrário do que geralmente se considera – que a causa do universo, Deus, é um ser inteligente somente – na visão dos Vedas a causa do universo, o criador, é a causa inteligente e a causa material também. Então ele está onde o universo está. Isso realmente me pegou. Por me dar não uma localização de Deus, mas de pensar que Ele não é uma pessoa: Ele está na forma do próprio universo. Não é uma pessoa que cria uma coisa diferenciada da sua criação, mas Ele mesmo se manifesta na forma do universo. O universo não é separado dele: todo o universo é Ele, mas Ele é mais do que somente o universo. Essa visão de Deus me surpreendeu e me aquietou o coração.

Sua criação familiar tinha uma religião?
São todos católicos. Cresci em escolas católicas, ia na missa…

Como foi pra você começar a questionar? Porque na religião católica é muito forte a questão da culpa, você questionar a palavra da Deus.
Mas eu não tive esse problema não. Quando eu tinha mais ou menos 17 anos – ia pra missa todo domingo, era religiosa – eu morava nesse tempo nos Estados Unidos e fui para Alemanha passar três meses. E quando eu fui para lá, aquilo que tinham me falado na minha primeira comunhão, que ninguém podia tocar na hóstia, senão isso e aquilo, na Europa a pessoa pegava a hóstia e botava no cálice. Como me disseram que eu nunca podia tocar na hóstia e ali estão me mandando pegar a hóstia? Falei: “quer saber de uma coisa, ninguém sabe de nada, isso tudo é invenção”. E aí, como eles inventaram, na minha visão, eu também posso inventar qualquer coisa. Me livrei na hora desses comandos da religião. Eu não tinha conhecido o Swami Chinmayananda ainda, só vi que essas regras religiosas são humanas.

Mas até você descobrir Vedanta, passou também por outros processos espirituais, né?
Nesse momento eu larguei a igreja. Aí comecei a buscar outras coisas. Meditação, vários caminhos de filosofia, meditação budista, meditação ligada ao yoga.

Quando você conheceu vedanta, essas práticas foram importantes, te deram uma mente mais preparada pra entender o que o Swami dizia?
Não, ele foi muito claro. Acho que entenderia de qualquer maneira. O que fez diferença quando comecei a fazer meditação foi ver que de fato a meditação é possível. Não é uma coisa fácil, mas você consegue ficar com você mesmo, consegue ficar em silêncio. Isso tudo eu gostei muito.

PROFESSORA

Aí você voltou ao Brasil (depois do curso no Ashram na Índia) e fundou o espaço (Vidya Mandir). Você foi a pioneira do vedanta no Brasil, né?
Tinha um professor de yoga chamado Vitor Binot que tinha morado vários anos da Índia e foi ele quem convidou o Swami Chinmayananda a vir para cá. Ele dava aula de yoga, estudou hindi, deu umas noções de Vedanta. Tinha se ouvido falar em Vedanta, mas ninguém dava aula.

E foi um processo natural, os alunos foram aparecendo, ou teve uma batalha grande?
O que aconteceu foi que em dezembro de 78 eu tinha combinado com o Swami Dayananda que ele passaria aqui no Rio e ele fez umas palestras, no Rio e em São Paulo. Aí no final ele disse que eu tinha vindo de um curso e que ia começar a dar aula. Aí as pessoas apareceram, assim que comecei.

O fato de você ser mulher num mundo espiritual que é predominantemente de homens foi uma dificuldade sua?
Eu nunca senti dificuldade. Acho que eu também tenho uma postura muito séria, que talvez seja mais masculina. Nunca tive problema nenhum, não sofri preconceito, nada. Não sei se eu fosse homem eu teria tido mais aluno no início, talvez.

Muitos caminhos espirituais têm a questão do guru ser um renunciante de família. Isso pra você chegou a ser conflitante ou foi tranquilo?
Na tradição de Vedanta, eu diria que a maior parte é renunciante mesmo, são os Swamis. Mas não é uma exigência. Nunca vi na minha vida como uma exigência, já fui à Índia casada mesmo. Nunca sofri também nada por causa disso, nem pelos mestres, nem pelos colegas e nem pelos alunos. Na verdade, dos meus alunos, sempre disseram o contrário: que era bom ter uma mulher casada, com filhos, porque dessa maneira tinha mais noção do que é ser humano. Sempre disseram: “que bom saber que você vai pra casa, que você cozinha, lava a louça, lava roupa”.

Esse trabalho já tem mais de 30 anos. Como a maturidade tem interferido, qual a diferença de você quando entrou para agora que já tem toda essa caminhada?
Eu vejo que ter passado muitas coisas na vida amadurece o conhecimento. Me deu a experiência de ensinar, ver as dificuldades das pessoas entenderem esse assunto no ocidente, me deu uma maturidade para ensinar com mais clareza. Acho que o tempo faz essa diferença.

Hoje no Brasil acredito que é muito mais comum a yoga do que nos anos 80. Mas e a questão da qualidade, essa popularização, não é um risco também ser desvirtuada do contexto original, ou você só vê de forma positiva?
Tudo tem positivo e negativo. Acho que é bom para as pessoas em geral. Em termos de yoga ficar mais popular não afeta Vedanta no mínimo, não faz diferença. Porque Vedanta é estudo, não tem prática. Tem época que se fala muito em Índia, também não afeta muito nós aqui.

Acho que não só popularização do yoga, mas aqui no ocidente tem um boom da espiritualidade, digamos, várias práticas, terapias…
Pois é, mas é sempre assim, tem altos e baixos dessas coisas espirituais. Nos anos 70 também, tudo que era esquina tinha yoga, aula de meditação.

E como que uma pessoa pode discriminar entre tantas opções aquilo que pode ser melhor para ela?
Só indo e vendo o quanto você se identifica. Tem primeiro o estudo, se é esse estudo que você quer fazer, e também a pessoa que está ensinando, tem que gostar das pessoas também. E como a gente vai saber? Só vendo se você se identifica com o ambiente, com as pessoas.

MEDITAÇÃO

Muitas pessoas vêm meditação com algo complicado. É complicado mesmo ou é uma visão errada sobre meditação? Ou no fundo é a pessoa que não quer passar por isso?
Depende. Em nome de meditação tem muitas práticas diferentes e muita confusão. A gente não pode exigir da nossa mente que fique, no início pelo menos, mais que 15 minutos meditando. Não é possível. A mente de uma pessoa fica no máximo 48 minutos concentrada. Não vai ser uma meditação se você fica exigindo que faça muito tempo de meditação. No Vedanta nós temos uma regra de ouro: quando você sai da meditação você tem que estar querendo mais. Você não pode sair da meditação com a mente cansada, exaurida. Se você ficar no “não aguento mais” em pouco tempo sua mente vai inventar umas desculpas e não vai continuar meditando. Se você ficar com aquele sabor de “quero mais” você consegue levar a mente por pouco tempo, mas diariamente, o que é o ideal.

É questão também da pessoa encontrar a melhor técnica de meditação que, tem mais a ver com ela?
Eu acho que precisa de uma boa orientação. Entender que meditação, em última instância, é você ficar com você mesmo. Você poder ficar com você mesmo e poder apreciar que você é a paz. Esse é o objetivo da meditação, não tem outro. Então a gente faz várias técnicas para a pessoa aprender a ficar mais tranquila, aprender a ter esse momento com você mesma e não ficar com uma cabeça sempre pensando um milhão de coisas, juntando com suas obrigações, seus afazeres, seus desejos.

Hoje em dia também tem uma associação de meditador como uma espécie de revolucionário. O que você acha dessa associação? Como se uma mudança pro mundo fosse as pessoas meditando.
Não me lembro de ter visto essa associação… Mas a meditação é uma revolução na vida, ela é. Se você aprende a ficar com você mesmo, – aprende a natureza da sua mente, de que está sempre mudando, mas que existe um silêncio básico que está sempre presente – se você conseguir fazer essas meditações mais básicas elas vão transformar a pessoa. Porque, na verdade, existe um caminho diferente do que geralmente se coloca. “Ame o seu próximo, tenha compaixão”. Esses comandos não adiantam nada. A pessoa já tem uma exigência consigo mesma, ela vai ter com outra pessoa. Se ela se sente tão pequena, limitada, carente de tantas coisas, e olha uma pessoa que tem, você não acha que ela não vai pensar que é injusto e querer aquilo? Vai, porque ela não tem, está sofrendo de carência. Então esses comandos não adiantam. Ao mesmo tempo, se você consegue ter uma melhor aceitação de você mesmo, você fica em paz. Porque, mesmo que você seja limitado, você tem coisas muitos legais, você mesmo vê. Então você começa a aceitar melhor você como pessoa, a sua própria humanidade. Meus defeitos, minhas limitações, mas as minhas coisas super legais, meus dotes, minhas capacidades que eu nem sei como que tenho, mas fui abençoada com elas. Na medida que você começa a apreciar você melhor, você começa a largar os outros, de ficar querendo ser os outros ou ter as coisas dos outros. Então a história é completamente ao contrário. Não é ficar mandando os outros fazerem isso ou aquilo: na medida que você encontra em você mesmo, você tem em relação aos outros. A meditação ajuda isso. Mas se ela não for bem feita, bem guiada, com uma pessoa que medita mesmo, ela vai se tornar mais um problema. Porque a gente já tem tanta culpa, vai adquirir mais uma, “não consigo meditar”. Então depende muito da orientação também.

“NÃO SEI O QUE SERIA DE MIM SEM VEDANTA”

O ser humano tem um desejo de querer descobrir a verdade sobre o universo, sobre as coisas, aí vem as religiões e criam histórias para satisfazer esse desejo. Até que ponto é importante a pessoa entender mesmo ou aceitar que não é capaz de saber de tudo? É importante buscar as respostas ou acolher a ignorância sobre essas questões muito grandes?
O ser humano busca o entendimento de alguma coisa, de si mesmo. A gente não pode não entender e ficar confuso, não vai funcionar. Não pode dizer “isso você tem que aceitar” e você ficar confortável tendo que aceitar assuntos cruciais. Não é um assunto qualquer. Qual é a criação? Tem várias vidas? Existe libertação ou não? Qual minha relação com Deus? Faz toda a diferença na nossa vida. Agora, se alguém diz que Deus criou você, não faz o menor sentido Deus ter criado a gente no meio de tanta confusão. Não é a toa que existe os naastikas, que não acreditam em nada. Como a gente vai poder acreditar num Deus que é justo criar esse pandemônio e continuar sendo justo? Então eu entendo uma pessoa um pouquinho mais pensante dizer “não acredito em Deus”. Então, não acreditar é a consequência de um ser inteligente. A menos que ele pense: “não, tem alguma coisa a mais que não foi dita”.

Mas será que não acreditar resolve também? Porque você rejeita uma visão errada, mas alguma hora vai ter uma busca, né?
Tem que ser agnóstica, a pessoa se não entrar em contato com Vedanta tem que ser agnóstica, eu acho. Porque não tem uma boa explicação de Deus. As religiões de uma forma geral apresentam uma ritualística que satisfaz um pouco a terem uma coisa espiritual. Mas o estudo de Deus é muito limitado. As religiões clássicas não dão um conhecimento mais profundo de Deus. Aí o que a gente vai fazer? Também dizer que não existe… alguma coisa existe como causa. Então não tem muita solução. Eu não sei o que seria de mim sem Vedanta, na verdade, eu não sei.

O estudo te deu todas essas respostas?
Me deu essas respostas todas. Eu estava buscando verdadeiramente. “O que é Deus, qual o objetivo dessa vida?” Coisas que verdadeiramente me angustiavam e não encontrei as respostas em outro lugar.

Acha que Vedanta é o único caminho ou foi o único caminho para você?
Foi o único caminho para mim. Depende do que cada um está buscando. Não posso dizer que é o único caminho, tem muita gente satisfeita em várias religiões.

Tem uma frase do Dalai Lama que ele fala que as religiões são como remédios. Para cada problema, se for o remédio correto, a pessoa vai satisfazer mais ou menos aquilo. Você concorda?
Não concordo. As religiões não são vários remédios, é um remédio. Todas as religiões dão uma tarefa para gente, ir à igreja por exemplo, aí você se confessa, faz caridade. O remédio é se ocupar com a sensação de que está fazendo alguma coisa. Mas remédio, para curar, nenhuma religião dá, eu acho. Porque você continua com essa busca. É um paliativo, não um remédio.

Mas para algumas pessoas isso não pode ser suficiente?
É, pode ser. Mas não acho que as religiões dão coisas diferentes, elas dão a mesma coisa. Mas eu acho que é bom, acho muito pior não ter religião nenhuma.

Se a realidade é única, por que há tantas divisões entre as religiões? São interpretações diferentes da realidade ou cada linha não consegue de fato entender e precisa criar algo para dizer que é a real?
Acho que a realidade absoluta é muito difícil de ser entendida e muito difícil de ser explicada também. Precisa de uma metodologia específica para fazer o outro ver o que você está vendo. Então primeiro é poder ver, depois explicar. Isso já reduz muito. Vamos considerar que todas as religiões têm o texto de algum sábio que estavam vendo quando escreveram aquilo, mas não explicaram com clareza, e quem lê, lê com sua própria bagagem. É que nem uma poesia, uma obra de arte, cada um vê uma coisa diferente. Agora, a realidade não é para ser vista por cada um de uma maneira diferente. A realidade é a realidade. Mas acabou se tornando várias correntes por várias visões, tem os preconceitos, as necessidades das instituições de controlar os devotos, várias razões.

O que uma pessoa precisa para estudar Vedanta?
Ela tem que ter a urgência de buscar alguma coisa que seja significativa na própria vida. Depende da maturidade de questionamento da própria pessoa, porque Vedanta lida com questionamento sobre realidade. A pessoa vai encontrar um eco se ela mesma está buscando. Daquele grupo todo que assistiu o Swami Chinmayananda, eu e meu marido fomos as únicas pessoas que acordamos para estudar Vedanta, entre 300, 400 pessoas. A gente tem que ter uma busca pessoal para entrar no estudo de Vedanta, as suas questões têm que ser as questões que o Vedanta coloca. Acho que com tudo na vida é assim.

É possível as pessoas aprenderem Vedanta no contexto da religiosidade cristã, aqui do Brasil?
Eu já tive alunos judeus, muçulmanos e cristãos, que escutaram Vedanta e por fim todos disseram que entenderam a sua religião melhor e voltaram para sua religião. Então acho que as explicações de Vedanta são base de qualquer religião e ajudam qualquer pessoa a entender outras coisas. A proposta de Vedanta não é essa, mas porque é tão clara, tão direta e profunda ao mesmo tempo, acaba que as pessoas se interessam e conseguem entender outras coisas além de Vedanta.

Sei que Vedanta não trata sobre o que vou perguntar agora, mas qual sua visão sobre Cristo? Seria uma espécie de yogi, avatar, encarnação de Deus?
Eu não sei. Um mestre ele foi, com certeza. Mais do que isso não me acho capacitada para responder.

Muitos caminhos espirituais se dão através do contato com o metafísico, espíritos, viagem astral, extraterrestres. Na sua visão esse contato com diferentes planos de existência ajudam a pessoa a entender sobre a realidade última ou tudo faz parte também do véu de maya?
Os planos estão todos dentro da maya. Existe um sofrimento básico do ser humano que ele tem que resolver. Se a gente começa a criar uma ligação com outros mundos, outros seres que estão além desse nosso, a gente está focando o problema do sofrimento humano como uma solução relativa. Quando a pessoa vem estudar Vedanta a primeira coisa que a gente diz é que o sofrimento humano é porque ele não entendeu a sua natureza essencial e livre de limitação. Não está relacionado ao plano que você está nem aos seus sofrimentos ou alegrias. Lógico que as pessoas sofrem, uma tem mais problemas que as outras, mas a solução não está melhorando a vida, ganhando dinheiro, tendo uma casa melhor, emprego melhor, mas está em entender melhor sobre você mesmo. Sobre a ilusão, a projeção e o entendimento do sujeito. Quando eu estabeleço soluções por várias conquistas, inclusive de poder falar com desencarnados, estou colocando a minha solução nessas coisas extraordinárias. A gente pode buscar solução no ordinário ou no extraordinário, mas ambas as soluções não tem solução de fato. Vedanta quer que você encare o problema e resolva. Se depois você vai fazer outras coisas, não importa, você vai fazer porque você quer, não porque está sofrendo. Se a gente começa muito a se tornar extraordinário, o nosso ego cresce, e é tudo que a gente não quer, porque a gente quer encarar nosso eu real. Então todos esses poderes não interessam para o Vedanta.

ORAÇÃO, KARMA E DHARMA

Queria abordar alguns temas que são comuns em várias linhas espirituais e que você explicasse à luz de Vedanta. Queria você falasse da oração, o que significa. É uma questão de comunicação ou uma auto sugestão da própria mente para que algo aconteça?
A oração é uma ação. Ação é física, oral ou mental. A oração é uma grande ação, porque você faz deliberadamente. Quando você faz uma invocação, para o nome que você quiser dar a Deus, você está reconhecendo que existe alguma coisa mais poderosa que você, e está reconhecendo que neste momento você não tem o que fazer. Você se sente limitado, incapacitado, então você está invocando uma benção maior, uma solução maior. Então, como qualquer ação, existe um resultado associado a ela.

Esse resultado é como as pessoas imaginam, que é alguém que ouve e faz?
Não, não é um resultado satisfazendo o desejo da pessoa. Eu quero um novo emprego, faço o meu esforço, se eu vou ganhar ou não, eu não sei, mas vou ganhar alguma coisa. No momento em que faço uma oração, posso não receber nada do que quero, mas naquele momento eu recebo uma paz, um conforto, uma quietação. Pode não ter nada a ver com o que estou querendo, mas alguma coisa eu recebo.

Tem uma ideia de que orações de agradecimentos são mais fortes que oração de pedidos…
As pessoas dizem isso porque quando você se sente grato você ganha uma força pela própria gratidão. A gratidão é uma coisa que dá a você a sensação de que você tem muita coisa. Quando você faz um pedido você tem a sensação de que não tem.

Queria falar da questão do karma. Às vezes, como o karma é colocado, dá a impressão que ele justifica as desigualdades sociais, quando alguém fala “a pessoa nasceu pobre como resultado de uma ação anterior, da outra vida”, mas sem ver as questões sociais que faz com que alguém esteja mais favorecido do que outros. Queria que você esclarecesse essa questão.
Tudo na vida tem várias maneiras que a gente pode olhar. Quando a gente olha no patamar do social a gente vai ter que reconhecer que tem gente mais privilegiada e gente menos privilegiada, a gente não pode negar isso. Quando a gente olha do patamar da lei do karma a gente diz que uma pessoa está naquela situação devido às ações feitas por ela, no passado. Então a nível da lei do karma cada pessoa vai viver aquilo como resultado da sua ação. Mas ao mesmo tempo existe dentro dessa lei o livre arbítrio. Você pode sempre tentar uma outra coisa, modificar suas condições. Então se a gente olha socialmente a gente vai ver desigualdade, e é inevitável, porque as pessoas jamais serão iguais, isso que constitui uma sociedade. Mas a nível da lei do karma é justo.

Mas é que essa ideia, não sei se é pela falta de entender isso completamente, às vezes dá a impressão de que todas essas desigualdades acaba sendo justificável que seja desse jeito, porque é o resultado das ações das pessoas.
Mas isso é um entendimento errado da lei do karma. Tem gente que diz que o Vedas dizem isso, mas não é o que os Vedas dizem. A gente tem que entender que o universo é grande e amplo. Existe a realidade subjetiva e a realidade relativa. Essa mesa aqui é uma realidade relativa. Todo mundo que chegar aqui vai ver mesa. Agora, eu olho para essa mesa e vejo um obstáculo para mim, porque ela está me aprisionando. Eu vejo como uma limitação, isso é uma visão pessoal minha. Eu não posso dizer que isso é uma mentira, porque é como estou me sentindo, subjetivamente esse é o fato. Então a gente não pode misturar as duas coisas, porque não vai dar certo. Então relativamente, do ponto de vista do indivíduo, eu recebi o meu karma de coisas do passado e estou vivendo nessa vida. Mas eu tenho a possibilidade de modificar o meu destino, posso fazer muitas coisas. A nível da lei do karma, o que me traz até aqui é a lei do karma, mas a gente não pode dizer a nível relativo que é a lei do karma que me aprisiona nas condições sociais. Por exemplo, posso dizer: “não quero mais ficar empregado, quero ser chefe”. Para ser chefe preciso ter uma firma minha, tenho os ônus e o bônus, tenho que estar preparado para todos os riscos que é chefiar. E se eu não tiver capacitado para chefiar não vou ser de sucesso. A gente fica achando que determinadas situações são melhores do que as outras, porque a pessoa parece que está melhor. A gente quer uma ascensão sem ver o preço daquilo. Então a gente está confundindo as coisas.

Uma questão do dharma. Muitas vezes a gente sabe o que é correto de ser feito, mas não tem preparo para realmente fazer aquilo. Como a gente pode lidar com esse abismo, entre aquilo que a gente sabe que tem quer ser feito e aquilo que de fato consegue?
Na verdade, o dharma é a ação mais correta dentro das circunstâncias. Agora, para gente poder agir adequadamente, a gente tem que entender certas coisas. Agir é uma consequência. Mesma coisa que meditar: é uma consequência, não é uma ação. Sentar é uma ação, fechar os olhos, cantar um mantra é uma ação; meditar não é uma ação: é uma consequência de uma mente que está tranquila, que tem um aprendizado, uma visão, e consegue sentar relaxadamente. Então eu não posso fazer da minha vida um projeto de meditar, tenho que ter um projeto de uma vida meditativa, uma mente meditativa. Então eu tenho que nutrir minha mente com o dharma, com a noção do que é correto, e nos vários pequenos momentos fazer o tanto quanto eu posso. Porque aí na hora eu vou escolher aquilo, mas sem nutrir minha cabeça com o dharma eu não vou escolher o dharma, porque o compromisso com meus interesses pessoais não vão me deixar.

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Tem uma parte da entrevista que eu falo uma palavra e a pessoa dá o entendimento que ela tem sobre. Aí a primeira é espiritualidade

ESPIRITUALIDADE

A espiritualidade é uma busca de alguma coisa invisível que a gente separa de uma busca material. Não se sabe o que está buscando, mas sabe-se que o material não satisfaz, então a gente diz que é espiritual.

Qual a função do intelecto e das emoções nessa busca?
Fundamental. O ser humano é basicamente uma pessoa emocional, o que nos governa são as emoções. Mas para que a gente possa agir adequadamente, a gente tem que nutrir nosso entendimento, nosso intelecto. Então nutrindo melhor nossas emoções, nossas facilidades, dificuldades, a gente vai estar preparado para fazer melhores escolhas emocionais na vida. O intelecto vai levar a gente a questionar, entender, mas as emoções é o carro da frente.

Cultivando um intelecto saudável as emoções podem ser mais saudáveis?
Discriminativo, saudável não sei o que seria. Discriminativo, a gente não ficar preso ao ter que acertar. “Estou certo, sou incrível, tudo gira ao redor de mim”, se a gente está fechado nisso a gente tem a expectativa que todo mundo aplauda a gente. Se a gente consegue questionar, ver mais amplamente nossas limitações, nossa humanidade, a dos outros, um intelecto mais discriminativo, vai poder entender as emoções e lidar melhor com elas.

Quais os maiores equívocos que você nota nas pessoas em relação à espiritualidade?
(Pensa por alguns segundos) não vejo nenhum. Às vezes às pessoas não sabem o que estão buscando, mas não acho que seja um equívoco. Às vezes as pessoas estão confusas, mas tudo isso faz parte.

GURU

Gu quer dizer escuridão e ru aquilo que elimina a escuridão. O que elimina a escuridão da ignorância é conhecimento. Então guru, o mestre, seria a pessoa que vem dissipar a ignorância e trazer o conhecimento. Mas para haver um guru tem que haver um shishya, um discípulo. Só vai funcionar se a pessoa se colocar na posição de discípulo, se não não funciona.

Para a pessoa escolher o guru ela tem que ao mesmo tempo ter confiança, mas também não pode abrir mão do senso crítico dela. Como a pessoa pode saber se aquele guru é a pessoa certa para ela estudar?
É uma situação muito difícil. Porque quando a pessoa está indo em busca do conhecimento o seu próprio problema não te deixa ter discriminação. Ela quer solucionar um problema, está sofrendo, a discriminação não está tão forte. E ao mesmo tempo ela não tem o conhecimento, não pode nem avaliar se o guru tem conhecimento ou não. Tudo o que a gente pode fazer é torcer para dar certo, porque não tem outra coisa. Com um pouquinho de base a gente consegue ter certeza, no início é intuição. “Eu acho que essa pessoa é confiável, as pessoas que estão há mais tempo são ‘equilibradas’, não são exageradas”. A gente vai por aí.

O Vedanta tradicionalmente sempre foi ensinado com o contato direto entre professor e aluno. Agora existe a possibilidade de se estudar pela internet. Como você enxerga, o estudo pode ser prejudicado por causa disso ou não?
Olha, nada é totalmente bom e nem totalmente ruim. Todas essas coisas tecnológicas têm limitações, mas eu acho que uma aula online que a gente tenha um certo contato, possa fazer perguntas, tem chances de funcionar e tem uma qualidade muito boa porque você vai para muita gente que está interessada e não tem possibilidade. As aulas que eu dou são transmitidas e trouxeram alunos de volta de muitos anos. Isso é uma coisa legal, eu acho. Agora, uma pessoa está só gravando, não dando aula pra ninguém, acho que é mais difícil, porque não tem um aluno sentado na frente. Mas… tudo é possível.

Você vê o professor como uma questão de dom ou é algo que a pessoa pode adquirir, estudar para ser professor?
Acho que tem que ser as duas coisas. Quando fui estudar Vedanta não pensava em ser professora, em voltar e dar aula. Mas a ideia de ser professora sim, sempre achei que tinha capacidade de transmitir alguma coisa, de explicar. Achava que podia dar aula e acabou sendo de Vedanta, que não era meu projeto. Mas acho que a pessoa precisa ter claramente um conhecimento e uma capacidade de explicar. Um tanto a gente tem que aprender mesmo, a falar, se comunicar, escutar o outro. Então tem as duas coisas.

LIBERAÇÃO

A palavra liberação é muito confundida, porque a gente acha que vai se ver livre de alguma coisa. No fundo, a única coisa que a gente se liberta é da nossa ignorância, nada mais. Muitas vezes a pessoa pensa que vai ser livre da limitação social, da sua mente, e ninguém vai ser livre. Na verdade, a gente vai ficar livre de confusão e ignorância de nós mesmos. Então sempre tem uma névoa ao redor dessa tal de liberdade.

O Vedanta fala que o nosso estado é livre por essência, o átman. Mas às vezes parece ser uma questão de crença, porque se a gente está na ignorância não conseguimos enxergar que nosso ser é esta essência livre. Queria que você o explicasse o que sustenta isso de que nossa essência é essa.
O entendimento é diferente de crença. Quando se fala sobre o átman, a gente aponta um eu básico que é livre, que é completo, e a gente experiencia isso em vários momentos. Momentos com a natureza, na satisfação de um desejo, momentos de paz, de tranquilidade. Então não é uma questão de acreditar, é algo que a gente conhece.

Mas a gente experiencia isso menos do que experiencia a confusão e as angústias…
Você acha? Eu não acho (risos). Porque tem tantos momentos que a gente ri, que se diverte. As pessoas vão na praia para bater palma pro pôr do sol. Existe uma confusão em relação ao estado de ánanda, a gente acha que é um estado total, de euforia, onde os problemas não existem.

Mas é que a rotina da maioria das pessoas é trabalho, sobrevivência…
Pois é. Eu acho que falta a gente prestar atenção nesses momentos em que a gente está bem, sem pensar que é uma coisa extraordinária que vai nos acontecer. Mas quantas vezes no dia a gente está relaxado, está bem, vê uma coisa bonita, consegue comunicar uma coisa e o outro consegue entender? Isso são coisas maravilhosas. Se a gente prestasse mais atenção nessas coisas a gente conseguiria ficar mais relaxado. É um momento de relaxamento que é um momento de felicidade, uma felicidade pequena e suave, não uma euforia. Às vezes eu me surpreendo, a pessoa não tem nada e está na rua, rindo, se divertindo, com uma criança, com o outro. Eu acho que a gente vive muitas coisas legais, de felicidade, eu acho.

Mas por que essa que é nossa base (a felicidade) e não o contrário?
A nossa base é aquilo que é o mais natural. Para a gente ficar infeliz alguma coisa tem que acontecer. Se eu digo pra você agora: fica triste, você não consegue. Mas se você começar a pensar numa desgraça na sua vida, aí você vai começar a ficar triste, ou com raiva. Mas para você ficar triste você tem que construir, para ficar com raiva você tem que construir. Agora, para ficar feliz você não precisa fazer nada, é o contrário. Você larga tudo, suas preocupações, seus projetos, seus medos, você está bem. Então nossa base mais comum, mais natural é o bem. A gente começa a construir milhões de preocupações, milhões de medos, milhões de projetos, aí a gente fica ansioso. Aí o que a pessoa quer? Tomar um remédio para relaxar. O que acontece quando ela toma o remédio? A cabeça desentope. Então o nosso natural é a paz, a felicidade: a gente não precisa fazer nada para correr atrás.

Ainda sobre liberação, tem uma ideia de “a pessoa atingiu a liberação, agora vai estar sempre nesse estado”. É isso mesmo, ou é um equívoco?
Lógico que não, é um equívoco (risos). Porque a pessoa não deixa de ser humana, né. Se a pessoa é humana vai ter um corpo, o corpo sempre traz vários tipos de problemas, dor não sei aonde, digestão que não se fez, a fome. E a mente traz milhões de ideias, que se a gente for se ocupando delas a mente fica cheia. O sábio, na verdade, não é que não tenha nenhuma ideia, preocupação, mas com aquela própria sabedoria a pessoa vai dizendo: “isso é besteira, depois a gente vê”. Uma ideia aparece na cabeça e você consegue dizer pra ela: “não se concretizou ainda, vamos esperar”. Não é que a mente fica sempre em paz, mas ele tem uma capacidade de lidar com essa mente.

Um pouco também com essa identificação maior com esse ser básico?
Isso, isso mesmo.

POLÍTICA

Política é um assunto que é necessário. A governança de um país, de um Estado, de um prédio, é necessária. E as relações entre as pessoas do poder e do não poder é necessária. Mas não é meu tema, deixo para os governantes. Acho que uma atitude mais humana nas relações, no exercício do poder é importante. Devemos olhar para os outros de uma forma mais compreensiva. Acho que tem gente que olha e gente que não olha.

DROGAS

Depende. Acho que computador e uma droga também, os joguinhos de computador. A maconha é uma droga, heroína, cocaína, bebida é uma droga imensa, cigarro. Acho que a droga, as coisas viciantes, elas vão existir no mundo como uma forma da gente escapar de uma grande tensão na vida. Acho que qualquer uma dessas usadas com uma certa sabedoria e não limitando e aprisionando o ser humano faz parte da vida.

É possível uma pessoa fazer uso das drogas de uma maneira “livre”, que ela não necessariamente precisa, mas que saiba que vai trazer algum benefício apesar dos malefícios?
Acho tão difícil esse tema, porque tudo depende do que a gente chama de droga. Tem pessoas que usam várias plantas de poder como um caminho espiritual. Se essas pessoas usam e têm uma visão e um engrandecimento espiritual, que eu vou dizer? Não é meu caminho, mas respeito como um caminho. Então acho que tudo depende.

MORTE

Morte não existe. No sentido de fim ela não existe, é sempre um fim para um novo começo. A morte é apavorante para todo mundo no sentido que parece que a vida vai acabar, mas é só uma transformação.

Como essa questão de que continua algo depois da morte não ser uma questão de crença?
Isso é outra história. A reencarnação é uma questão de crença, porque não tem comprovação de que a gente renasce. Tem lógica, tem boa argumentação, mas não tem como comprovar. Como faz sentido logicamente e é provado pelo mesmo texto que fala sobre a realidade do átman eu comprei a ideia. Nessa visão dos Vedas a vida tem um início e tem um fim e aquele fim é um novo início de uma outra vida. Porque no mundo nada tem um fim, tudo se transforma, não acaba.

De acordo com os Vedas o que continua depois da morte?
O corpo continua de outra maneira, volta pra terra. A individualidade, na forma sutil, a semente de um novo nascimento continua, o indivíduo continua de uma outra maneira. Até o momento que ele descobre o mistério da própria razão de nascer, o ciclo de nascimentos e de mortes.

DEUS

Deus, coitado dele, é um problemão. Porque são tantos conceitos diferente sobre ele. Na visão dos Vedas é a realidade absoluta que se manifesta na forma de todo esse universo, de uma forma inteligente, com uma ordem que governa todas as coisas.

Tem duas visões dentro dessas visões espirituais, uma diz que Deus é a causa de tudo, tudo “porque Deus quis”, e outra que coloca a responsabilidade nossa, que mesmo fatores desconhecidos, acidentes, doenças, fomos nós que causamos. Como que se dá essas duas visões?
Dentro dos próprios Vedas a gente coloca que a vida, nascimento, universo, é tudo manifestação de uma realidade única na forma dessa dualidade. Ela não é absolutamente real, é uma grande manifestação, projeção da realidade. E que tem uma ordem, um porquê, vários ciclos. Então não é uma criação “indivíduo”, é uma criação cósmica, por várias leis que governam o funcionamento desse universo.

Então não faz tanto sentido essa dicotomia?
Não. Não é um criador que cria e também não é pura responsabilidade do indivíduo. Tem a lei do karma, por exemplo, que nos põe responsável pela nossa ação. Mas não é dessa maneira, pela minha responsabilidade que o universo está aí, não é. E também existe a visão que as pessoas dizem que a gente nasce na família que você escolheu. Nos Vedas não tem nada de “escolheu”. Karmicamente você vai nascer num lugar em que vai ter a possibilidade de crescimento.

AMOR

Amor é o sentimento básico do ser humano. É o amor pela verdade, pela felicidade. É a emoção básica que vai se transformar em tantas as outras, é a base de todas as emoções. Devido ao amor existe o desejo, o ciúme, a raiva. Não só pela outra pessoa, mas por um outro objeto.

Até o ódio também é devido ao amor?
O ódio também. A raiva, por exemplo, é em relação a aquilo que quis, mas não consegui. É direcionado ao obstáculo entre mim e o que eu quis.

Essa questão do amor conjugal. A gente vê que tudo gira em torno disso, os cinemas, livros, as conversas entre as pessoas. Porque você acha que há tanta necessidade disso?
Porque para um crescimento, uma maturidade, a gente precisa se relacionar, a gente não pode fugir de se relacionar. E em um casal o relacionamento é construído, mesmo que momentâneo, com base em uma confiança mútua. E nessa confiança a pessoa abre suas guardas e consegue trazer o seu mais profundo para fora. E o outro está lá fora podendo apontar para você, é um espelho. Então você tem a oportunidade de um crescimento. Não quer dizer que todas tenham, mas é uma possibilidade. Porque viver sozinho a gente se fecha e não vê nossas qualidades nem nossas dificuldades.

FELICIDADE

Felicidade é a natureza do sujeito.

Para muitas pessoas felicidade é um conceito quase egoístico “como é que vou ser feliz com tanto sofrimento?” O que você acha dessa ideia?
Isso é cristão. Cristão que tem mania de culpar os outros para poder governar. Porque na verdade a única maneira da gente ser um total doador é quando eu me sinto preenchido. Quando eu já estou bem aí posso ajudar uma pessoa plenamente, não porque devo, mas plenamente. Essa ideia de que não posso ser feliz, que devo fazer pelo outro, é contrário à própria natureza. É um engano, uma filosofia de controle.

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Você tem medos ou vê alguma função positiva no medo?
Medo é uma coisa muito positiva, porque é através do medo que a gente se torna cauteloso. Então é muito bom ter medo.

Você tem?
Tenho de muita coisa, quando atravesso a rua então morro de medo.

Saudades. Tem saudade?
Saudade no sentido de sentir a falta de, né… Sei lá, não sinto falta de nada. Tenho boas lembranças, mas não tenho saudades.

Tem planos para o futuro?
Não tenho nenhum plano para o futuro.

Como você imaginaria uma sociedade ideal?
Eu não imagino porque sei que ela não existe, nunca poderá existir.

Não é pessimismo pensar isso, ou na verdade é positivo?
Acho que é pé o chão. Quando existe uma dualidade, tem que existir tudo que é possibilidade. Quando existir tudo que é possibilidade, vai ter coisas que gosto e coisas que não gosto. Acho que uma coisa muito boa de se pensar é que existem políticos ótimos, existem políticos péssimos; existem chefes péssimos, chefes bons; pais e mães bons, pais e mães péssimos. Então acho que não tem chance de para todo mundo ser maravilhoso, sabe? Escola para todo mundo, isso para todo mundo… não é possível.

O que é mais importante na sua vida?
A verdade.

Uma frase, citação que você goste muito.
“Sarvam kalvidam brahma”: Tudo o que existe é Ishvra, é Deus.

Para terminar um aprendizado que você gostaria de compartilhar, de tudo que você passou o que gostaria de passar adiante.
Tem várias coisas que aprendi com meu mestre que são significativas… O reconhecimento da nossa própria humanidade é a coisa mais importante que aprendi na minha vida. Conhecer a realidade, mas conhecer nossa humanidade, e aceitar a humanidade. Para mim foi a coisa mais incrível que aprendi. Reconhecer nossa verdadeira natureza e aceitar nossa humanidade.

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Na entrevista completa:

– Mais detalhes sobre a vinda dos Swammis Cynmaiananda e Dayananda;

– A diferença entre renunciar e ter experiências no mundo;

– As possibilidades do Vydia Mandir;

– “Meu sonho nunca foi ser professora de vedanta”.

Mais sobre Vedanta e Glória Arieira:

Entrevista para o filme Eu Maior;

Playlist do canal do youtube Viva Melhor;

Entrevista na revista O Atma;

Curso Online com Glória Arieira;

Curso Online Grátis de Vedanta com Jonas Masetti.